CAPÍTULO
1 – AS CUSPARADAS DO CORONEL
O velho Coronel Zeca, já
tinha a fama de ser pão-duro, rabugento e nem um pouco amigável. Tinha a mania
feia de cuspir seu mascado de fumo em qualquer lugar que lhe dessa na telha. Não
era necessário tirar sua paciência, tudo era motivo para o velho sapecar a
cusparada nos pés de qualquer criatura que ousasse ter um dedinho de proza com
ele. Por não ser nem um pouco amigável, era fácil de se encontrar na cidade de
Pitombeira quem não gostasse da personalidade forte do velho.
CAPÍTULO
2 – PEGANDO A MINHA BANANA
Já nas contrações do parto,
o coronel ordenou que a única parteira da cidade ficasse de plantão na beira da
cama de sua digníssima esposa. O velho estava animado. Não era para menos, já
que seria seu primeiro filho. A mãe tinha desejo de que fosse uma menina, mas
sempre era contrariada pelos gritos do coronel.
_Vai ser macho! E tenho dito! –
Exclamava o Coronel, toda vez que presenciava a mãe falando com a criança ainda
no ventre.
_Há de ser o que Deus quiser –
retrucava amorosamente a digníssima esposa. Para não cuspir nos pés da
gestante, sempre eram essas as vezes que o velho engolia a saliva e todo seu
rancor. Seus resmungos, não duraram muito tempo.
Já se imagina a enorme
alegria que Coronel sentiu ao saber do nascimento.
_É menino! – Informava a parteira,
que logo em seguida era corrigida pelo velho.
_É macho! Menino é coisa de gente frouxo!
Meu filho é macho e tenho dito! – Seguido de uma cusparada nos pés da
parteira, que sem pensar duas vezes, entrega a criança à mãe reclamando do
velho.
Já na adolescência, Zequinha passou a conquistar o carinho do povoado, sempre
estando presente e se comportando de forma totalmente oposta as manias do seu
pai. Assim, pouco a pouco ele se tornou indispensável em rodas de amigos,
festas da padroeira e todo tipo de festividade da redondeza. Já rapazote, era
sempre alvo de paquera das donzelas de Pitombeira, que arfavam toda vez que o
jovem rapaz passava por suas janelas e as cumprimentavam. Era de fato
promissor.
O velho Coronel Zeca, por sua vez, pouco se importava com a popularidade do
rapaz. O que de fato ele almejava, era que o menino tomasse jeito na vida e
desse continuidade os serviço de seu pai.
Já crescido, tomou corpo de
homem, mas preservando o jeito de menino que não perdia a oportunidade de se
envolver em uma confusão. Despreocupado, porém atendo aos desejos do pai, tudo
que Zequinha não queria era em plena maturidade tivesse o seu pai o tratando
ainda como menino, assim logo pensou em uma ideia para agradar o velho.
Com uma caderneta na mão e mil e uma ideias na cabeça, partiu Zequinha rumo ao
mercado, afim de encontrar-se com o jovem vendedor chamado Toinho, um velho
amigo da escola que se afeiçoou desde a sua adolescência. No caminho, Zequinha
passou por todos os lugares e por todas as pessoas que o viu crescer,
presenciando a grande evolução do que antes era menino, hoje transformado em um
jovem rapaz. Religioso, Zequinha se benze ao passar pela igreja. Cheiroso, as
donzelas sentem a fragrância da juventude, enquanto as damas do cabaré sentem o
aroma de homem que exala fazendo ambas, como sempre, arfarem. Um pouco mais a
frente e como de costume, atencioso, ele cumprimenta Zuleide, Orleide e
Cassandra, que mais uma vez cochicham após a passagem do rapaz, mostrando-se
curiosas quanto a ida de Zequinha ao mercado.
_Pra onde ela vai tão cheiroso? –
Questiona Cassandra com olhar malicioso.
_Será que já encontrou uma donzela para
herdar sua fortuna? – Se espanta Orleide quase que assustada e que logo é
contrariada por Zuleide.
_Bonito, rico e cheiroso, não há de se
encontrar alguém que o mereça no mercado da cidade?! – Seguido de suspiros
de alívio que não dura muito tempo, tornando-se a questionar.
_Mas o que ele faz aqui? – A pergunta
não é respondida, e de forma previsível, Zuleide se prontifica a observar Zequinha
de longe, prometendo a suas companheiras encontra-se mais tarde no terço das
beatas para contar as boas novas do mercado.
Enquanto isto, Zequinha segue seu caminho determinado a encontrar Toinho. Chegando
no local, um breve silêncio é posto na recepção de olhares. Toinho, mostrou-se
surpreso, pois fazia um bom tempo que Zequinha não o procurava. Afinal de
contas, muitas histórias aqueles jovens rapazes acumularam na meninice e na
adolescência. Com um leve desleixo na postura, Zequinha recompõe-se e o
cumprimenta mostrando-se extremamente feliz com o reencontro. Toinho ainda
confuso se mostra mais focado ao trabalho, dando continuidade as suas atividades
enquanto divide atenção com Zequinha.
_Pensei que não soube mais onde me
encontrar? – Brinca Toinho, afim de quebrar o gelo do reencontro.
- Você sabe que sempre vou encontra-lo.
– Conclui Zequinha, tornando o momento mais constrangedor ainda, já que sua
fala se refere as suas brincadeiras de pique-esconde em tempos de criança, que
quase sempre terminava como não deveria. Sem jeito, Toinho decide rir, que logo é
acompanhado por Zequinha. Os dois relaxam e Zequinha elogia e desempenho do
amigo ao entrar tão cedo no mercado de trabalho. Elogia o crescimento do
mercadinho e indiretamente os braços fortes de toinho que naquele momento
erguia uma grande quantidade de frutas no alto da prateleira. Desconcertado,
Toinho deixa despencar a caixa de frutas que tentava erguer e acidentalmente
derruba parte da prateleira que já estava arrumada. Depois que tudo veio ao
chão, Toinho olha surpreso como se quisesse entender o que ele acabara de
escutar. Sem jeito, Zequinha se prontifica ajudar tentando sem sucesso
justificar seu elogio, alegando os esforços físicos que Toinho faz em seu
trabalho. Então Toinho torna a rir e o questiona.
_Então veio elogiar os meus braços? –
Supresso com a pergunta de Toinho, Zequinha perde o controle das palavras passa
a gaguejar. Por fim, respira fundo e diz.
_Você sabe que não. Vim pedir ajudar. –
Toinho debocha e passa ironizar seu pedido de ajuda, alegando que Zequinha não
há de ter motivos para isto, já que é rico e conhecido na cidade. Contrariado,
Zequinha passa expor motivos que justificam sua necessidade. Obviamente, que
Zequinha se trata do desejo de mostrar para o rabugento pai potencial nos
negócios e assim conquistar sua confiança. Toinho se mostra compreensivo e
torna a brincar.
_Vou lhe ajudar, começando arrumando as
frutas que me fez derrubar. Quem sabe assim passa a ter os braços como os meus.
– Zequinha rir e passa a ajuda-lo mantendo sempre o olhar saudosista e quase
irônico.
Do outro lado da calçada, estava Zuleide completamente inquieta tentando
entender à distância o que via, mas não estava entendendo nada. Vários
questionamentos viam na sua cabeça e quase nenhum era o correto, típico de uma
fofoqueira. Ela precisaria de um bom conteúdo para divertir-se mais tarde nas
rodas de conversa entre as beatas da paróquia e em seguida com coronel. Não
demoraria muito para que Zuleide tomasse alguma atitude. No mercadinho, os dois
amigos estavam quase acabando de pôr tudo no lugar. Ao fim faltavam apenas
algumas bananas que caíram para debaixo do balcão. Já suado, Zequinha
ajoelhou-se para pega-lo enquanto Toinho, perto, tentava colocar as bananas que
tinham na mão na prateleira. Quando de supetão chega Zuleide ao gritos.
_ O que está fazendo Zequinha?! – No
susto, os dois paralisam formando uma cena e tanto quanto sugestiva. Notando
que poderia causar um má impressão, Toinho respondeu.
_Foi pegar minha banana. – Zuleide
estufa os olhos tentando entender, engasgada com gaguejos e tremores. Para
explicar o que não aconteceu, Zequinha levanta-se suado do esforço que tinha
feito, proporcionando o efeito reverso da possível explicação. Zuleide se vira
e sai em estado de choque. Enquanto os dois amigos tentam acompanha-la sem
sucesso. Um pouco mais a frente e mostrando mais calma, Zuleide se questiona do
que acha que viu. Então se lembra que agora ela tem um bom assunto para as
rodas de conversas, deixando escapar em meio ao susto um singelo sorriso
malicioso.
CAPÍTULO
3 – MEMÓRIAS
Zequinha era peculiar.
Muitas vezes seu comportamento era tido como muita estranheza pelos mais
próximos, por mais que já crescido tenha se tornado extremamente simpático e
acolhedor. Era sempre difícil se acostumar nas vezes em que ele se desligava do
mundo para reviver passados ou construir distrações propositalmente afim de
evitar uma conversa chata ou ocasião inesperada. Em sua cama, Zequinha se
desdobrava em ideias para justificar uma possível acusação. Em meio os
pensamentos, Zequinha pausava sua apreensiva reflexão com um sorriso saliente.
Era uma forma de dizer que lá no fundo, seria uma boa verdade para se
justificar. O fazendo entrar em outra realidade, por mais que seja breve. Assim
Zequinha se aprofunda em distrações e lembranças, o fazendo ser quem ele é,
desejando o que ele queria e revivendo momentos que dificilmente ele o
desejasse esquecer. Rolando em suas reflexões, envolvido em sua cama o jovem
voltava a ser criança onde momentos simples se tornaram eternos, até que um
grito o fez voltar àquela realidade que na verdade ainda era uma ilusão.
_Zequinha! Desça aqui seu cabra, quero
ter uma conversa com você! – Gritava à forte pulmões Coronel Zeca acordando
Zequinha de sua realidade. Assustado, olha rápido pela janela de seu quarto e
vê Zuleide ao longe indo embora de sua casa. Neste momento Zequinha já
imaginaria o assunto da conversa.
A cadeira balançava mais do que o de costume. O Galo já não se quietava,
ensaiando batidas de asas no colo do Coronel que impulsionava as cusparadas no
rodapé da parede. Os gritos se tornaram mais fortes e a nítida chateação do
velho preocupava os empregados que tentavam acalmá-lo com um pedado de rapadura
e um copo d’água. O galo pula de seu colo e como vingança coronel se levanta e
cospe na crista do animal. Inquieto, dá algumas voltas na varada e torna a
gritar!
_Zeca! Venha cá seu moleque!
_Eu já estou indo paizinho! –
Responde Zequinha de longe, de modo a apaziguar a situação.
_Que magó de gritaria é esta? –
Questiona o jovem, como se não soubesse o motivo da conversa.
Naquele instante, ainda paralisado e no último degrau da escada que dava acesso
ao seu quarto. Zequinha respirava fundo ainda sem saber ao certo o que falaria.
Abusando do improviso e apostando todas as fichas na sua intuição. Respirando
fundo, Zequinha ensaia primeiro passo na sala que dá acesso à varanda,
paralisando no passo seguinte. Com os olhos fechados e a respiração forte,
volta a sua infância, quando teve que dar boas justificativas a sua mãe, que
naquela memória questionava o que menino sobre o que fizera com Toinho no Chiqueiro
do quintal.
Na ocasião, Zequinha apenas tentava descobrir, como qualquer pré-adolescente,
as novidades de seu corpo. Comparando tais modificações com as de seu colega,
que estava lá afim de limpar o Chiqueiro que abrigaria o leitão que seria abatido
no próximo natal. O pequeno Toinho, um ano mais velho, ainda tinha seus
questionamentos e também comungou da curiosidade do pequeno Zequinha. Era um
momento inocente e de curiosidade, onde a malícia ainda não havia nascido e os
prazeres ainda eram retraídos, confundidos com os medos e ignorados com a mais
puras sensibilidades de um mundo desconhecido. Tudo era novo, inclusive o
toque, que naquele momento acelerava o coração em um misto de adrenalina e
desejo. Já não estavam fora, mas dentro do Chiqueiro tornando aquela distração
em um momento diferente. Repentinamente,
fora interrompido com a chegada de sua mãe. Delicada e extremamente cuidadosa.
Sua mãe percebeu a importância daquele momento, abrindo mão da descriminação e
convidando o menino para se dirigir ao banho. Assustado, Toinho volta a sua
atividade enquanto Zequinha segue rumo ao banheiro de sua casa. De longe sua
mãe grita:
_Quando terminar o seu banho, vá até meu
quarto. Quero ter uma conversa com você. – Foi o suficiente para deixa-lo
nervoso e apreensivo. Quase o mesmo sentimento que agora inquietava o jovem
rapaz, ao estar prestes a ser questionado por seu pai.
_Zequinha! Quer que eu vá te pegar a custa de pimba de boi?! – Um instrumento que era
usado para amedrontar as crianças da casa.
Ao chegar na varanda da casa, Zequinha observa a angustia de seu pai. Mesmo assim estufa o peito e tenta minimiza a situação, argumentando motivos que supervalorizam tal comportamento, tentando mostrar equilíbrio e maturidade ao expor exagero de seu pai no artifício da gritaria. Como era de se esperar, o velho ignora a postura do filho seguido de uma boa cusparada que chega a centímetros de distância dos pés do rapaz. Esquivando-se, Zequinha decide se sentar na varanda e esperar que seu pai o questione.
_Que história é esta que vieram me dizer a seu respeito, sobre um furdunço estranho de um desajustado lá na bodega deste tal Toinho? Quer me matar de vergonha? Pois o que vieram me dizer é coisa que não se fala. Meu filho se comportando como um desajustado? Diga logo que história é esta?!
_Não precisa painho, eu já estou bem
crescidinho, e já estou aqui por sinal – exclaou Zequinha, encorpando a
voz, afim de mostrar maturidade e esconder a seu nervosismo.
Ao chegar na varanda da casa, Zequinha observa a angustia de seu pai. Mesmo
assim estufa o peito e tenta minimiza a situação, argumentando motivos que
supervalorizam tal comportamento, tentando mostrar equilíbrio e maturidade ao
expor exagero de seu pai no artifício da gritaria. Como era de se esperar, o
velho ignora a postura do filho seguido de uma boa cusparada que chega a
centímetros de distância dos pés do rapaz. Esquivando-se, Zequinha decide se
sentar na varanda e esperar que seu pai o questione.
_Que história é esta que vieram me dizer
a seu respeito, sobre um furdunço estranho de um desajustado lá na bodega deste
tal Toinho? Quer me matar de vergonha? Pois o que vieram me dizer é coisa que
não se fala. Meu filho se comportando como um desajustado? Diga logo que
história é esta?!
_Não precisa painho, eu já estou bem
crescidinho, e já estou aqui por sinal – exclaou Zequinha, encorpando a
voz, afim de mostrar maturidade e esconder a seu nervosismo.
Ao chegar na varanda da casa, Zequinha observa a angustia de seu pai. Mesmo
assim estufa o peito e tenta minimiza a situação, argumentando motivos que
supervalorizam tal comportamento, tentando mostrar equilíbrio e maturidade ao
expor exagero de seu pai no artifício da gritaria. Como era de se esperar, o
velho ignora a postura do filho seguido de uma boa cusparada que chega a
centímetros de distância dos pés do rapaz. Esquivando-se, Zequinha decide se
sentar na varanda e esperar que seu pai o questione.
_Que história é esta que vieram me dizer
a seu respeito, sobre um furdunço estranho de um desajustado lá na bodega deste
tal Toinho? Quer me matar de vergonha? Pois o que vieram me dizer é coisa que
não se fala. Meu filho se comportando como um desajustado? Diga logo que
história é esta?!
_não minta para sua família.
_Num minta pra mim não seu cabra! – Gritou Coronel interrompendo mais uma vez Zequinha
em sua viagem às suas memórias.
Em mais um respirar profundo, Zequinha decide contar o que de fato veio
acontecer, focando o esclarecimento no seu desejo de buscar conhecimento na
área do comércio, afim de conquistar a confiança de seu pai. Coronel Zeca, já
não olhava para Zequinha. Notava-se pela intensidade com que ele se balançava
na cadeira. O velho apontava sua visão para o horizonte, um olhar distante. Um
breve silêncio pairou entre os dois, tornando o rugido da cadeira e a distante
reclamação do galo de estimação, os únicos barulhos que se ouviam no momento.
Seu jeito razinza não poderia se dar por vencido. Coronel se levantou ajustando
o cinto da calça acima da cintura e olhou firme nos olhos de Zequinha;
_Me prove sua intensão. Pegue as tralhas
la de dentro, acorde cedo e vá para feira do centro. Volte com tudo vendido e
com dinheiro na mão. Pra mode não ter mais conversa fiada e falatório a seu
respeito. E tenho dito! – Finalizando suas ordens com uma cusparada no chão
e saindo rumo aos seus aposentos. Na ausência de seu pai, Zequinha se volta
para o terreio da casa. Ensaia uma leve risada no canto da boca, como se os
problemas estivessem resolvidos. Lá no fundo, ele sabia que o jeito estranho de
seu pai apontava certo orgulho e alivio em saber que seu filho já está se
interessando em trabalhar, tornando-se assim um filho que ela tanto queria.
Em mais um respirar profundo, Zequinha decide contar o que de fato veio
acontecer, focando o esclarecimento no seu desejo de buscar conhecimento na
área do comércio, afim de conquistar a confiança de seu pai. Coronel Zeca, já
não olhava para Zequinha. Notava-se pela intensidade com que ele se balançava
na cadeira. O velho apontava sua visão para o horizonte, um olhar distante. Um
breve silêncio pairou entre os dois, tornando o rugido da cadeira e a distante
reclamação do galo de estimação, os únicos barulhos que se ouviam no momento.
Seu jeito razinza não poderia se dar por vencido. Coronel se levantou ajustando
o cinto da calça acima da cintura e olhou firme nos olhos de Zequinha;
_Me prove sua intensão. Pegue as tralhas
la de dentro, acorde cedo e vá para feira do centro. Volte com tudo vendido e
com dinheiro na mão. Pra mode não ter mais conversa fiada e falatório a seu
respeito. E tenho dito! – Finalizando suas ordens com uma cusparada no chão
e saindo rumo aos seus aposentos. Na ausência de seu pai, Zequinha se volta
para o terreio da casa. Ensaia uma leve risada no canto da boca, como se os
problemas estivessem resolvidos. Lá no fundo, ele sabia que o jeito estranho de
seu pai apontava certo orgulho e alivio em saber que seu filho já está se
interessando em trabalhar, tornando-se assim um filho que ela tanto queria.
CAPÍTULO
4 – CATUABA DE OUSADIA
Parecia que o galo não havia
superado a terrível chateação que teve ao receber uma cusparada na crista. Suas
reclamações eram ouvidas por toda madrugada através do seu cocoricó,
intensificando-se no rotineiro despertar da manhã. Enquanto todos não estivesse
acordado o galo não quietava o cacarejo. Zequinha despertou naquela manhã mais
determinado do que dos outros dias, pois além de ter uma nova oportunidade de
surpreender seu pai, também teria uma boa chance de estar ao lado do Toinho.
Acontece, que ao chegar na despensa, Zequinha se deparou com um verdadeiro
desafio. Seu pai não deixou nada de muito valor que despertasse a desejo da
futura clientela. Ele escacaviou toda a despensa atrás dos estoques de milho,
bugigangas ou quais quer material que lhe servisse. Parecia proposital, haja
vista que o pai, no dia anterior, lhe sugeriu juntar o que encontrasse na
dispensa e seguisse rumo à feira do centro. Nem precisou procurar muito, era
nítido que na despensa de sua casa ou até mesmo no porão, pouco era de se
aproveitar.
Desapontado e já ensaiando a
desistência, Zequinha encontra jogado na prateleira da despensa um velho livro
empoeirado que logo o chama a atenção. Atenciosamente, ele se aproxima do livro e
rapidamente descobre se tratar do livro de receitas de sua falecida mãe. Sem
conter a emoção, Zequinha se depara com uma linda frase escrita à mão já na
primeira página do livro
“Cozinhar é vivenciar uma verdadeira mistura de ingredientes que só o
verdadeiro amor pode saborear” – Zequinha aperta os olhos, como se quisesse
entender. Mesmo em vão, ele respira e abraça o livro suspirando saudade,
advinda de um espirro. Volta-se para a porta e antes que dê o primeiro passo,
se atenta a uma ideia que seria óbvio se ela não fosse tão distraído.
_É isso! – Exclama Zequinha, como se tivesse acabado de inventar a roda.
Afoito, o jovem rapaz acende o fogareiro e atento ao livro prepara o seu
primeiro café da vida.
_Um bom café, acompanhado de um bom bolo! – Ressalta Zequinha ao provar
o primeiro gole do seu café.
Obviamente que não há de se precisar de uma receita tão misteriosa para
preparar um bom café, mas se tratando de Zequinha, menino mimado a vida toda o
qual teve tudo pronto em suas mãos, há de se imaginar que em nenhum momento de
sua vida fora necessário acordar cedo e preparar o seu próprio café. Assim o
livro de receitas de sua mãe lhe serviu como uma luva.
A cozinheira da casa logo estranhou um cheio delicioso de bolo vindo da cozinha
que ela comanda. Ao chegar viu seu local de trabalho completamente bagunçado e
Zequinha todo sujo de farinha de trigo, mas com um semblante, que de cara,
notava-se sua euforia. Fora preciso pouco tempo para que algumas delícias
fossem preparadas e antes que seu pai levantasse da cama, estava preparado um
delicioso café da manhã pra ninguém colocar defeito.
_Seu pai vai amar tudo que você preparou – Diz Dona Verônica, achando que seu
trabalho naquela manhã fora poupado.
_isto, se ele pagar pelo que comer – Retruca Zequinha, seguido de um sorriso ao
mesmo tempo que guarda tudo que preparou.
Sem pensar duas vezes,
Zequinha coloca na carroça tudo que preparou, além de tudo que fosse necessário
para montar sua tenda de guloseimas na feita da cidade. Enquanto partia rumo ao
seu destino, O Coronel espiava pela persiana da janela de seu quarto mostrando
certa esperança pelo seu filho.
__ Não o suficiente, mas já
garanto que a carroça vale mais a pena – Completa Zequinha, que imediatamente
se esquiva da insinuação e foca a atenção no produto carregado. Janaína compra
a ideia baseado no barulho ensurdecedor que sua barriga acusava. Zequinha
estaciona a carroça em frente a casa das damas e sem pensar duas vezes, Janaína
se aproxima atraída pelo aroma do café. Não demora muito até que as outras
damas vão aparecendo na janela e rapidamente o questionam.
__Pra onde é que moço vai tão bem aprumado, carregando tanta coisa gostosa? –
Questiona Rosineide, ao mesmo tempo que vai descobrindo os bolos até cobertos
por panos de pratos.
__Iria para feira do centro vender tudo que tem aí, mas pelo visto as
senhoritas estão despertando interesse, ou to errado? Completa Zequinha após
ser rodeado pelas damas da cidade.
Zequinha, logo se mostra desanimado com o ocorrido e evitando culpar as
meninas, cabisbaixo coloca as vasilhas no lugar e ensaia sua retirada. Janaína o interrompe e sugere mil e uma
alternativas para compensar o prejuízo, inclusive o seu próprio ganha-pão”.
Nitidamente desconsolado, Zequinha recusa, mas antes mesmo de sua saída,
Janaína o convida a entrar na casa das Damas afim de compartilhar a ideia que
repentinamente veio na sua cabeça. Imaginando que seria mais uma estratégia
para deitar-se com ele, Zequinha mais uma vez se recusa até ser interrompido
por Janaína.
__Há de ganhar muito dinheiro. – Insinua Janaína que logo o convence de ficar.
__Já que seu objetivo é levantar dinheiro, eu tive uma ideia para dar
continuidade ao seu empreendimento. Não é algo comum, mas pela nossa
experiência, muita gente na cidade vai gostar. – Completa Janaína, advinda
de um singelo sorriso enquanto abre a tampa do baú.
continua...
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