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quarta-feira, 10 de março de 2021

DOIS CABRAS E UMA PESTE CHAMADA AMOR



 
CAPÍTULO 1 – AS CUSPARADAS DO CORONEL
 
O velho Coronel Zeca, já tinha a fama de ser pão-duro, rabugento e nem um pouco amigável. Tinha a mania feia de cuspir seu mascado de fumo em qualquer lugar que lhe dessa na telha. Não era necessário tirar sua paciência, tudo era motivo para o velho sapecar a cusparada nos pés de qualquer criatura que ousasse ter um dedinho de proza com ele. Por não ser nem um pouco amigável, era fácil de se encontrar na cidade de Pitombeira quem não gostasse da personalidade forte do velho.
 Obviamente, ele pouco se importava. Por ser dono de quase todas as terras da redondeza, mais da metade do povoado dependia dos empregos gerados pelo velho, que pintava e bordava na cidade. Há quem diga, que nem na igreja o coronel poupava a mania feia de cuspir no chão. Por ter todo este poder, quase sempre era poupado de ouvir o que merecia e ser tratado como deveria. Quem o abordava sempre tinha a mania de o bajular, por mais que o desejasse o pior. Claro que o Coronel tinha a plena consciência de que seu comportamento não agradava ninguém, o que fazia ele sempre ignora qualquer bajulação.
 No entanto, sempre existia alguém que falava o que queria, sem deixar claro do que se tratava, subestimando a inteligência do velho Zeca. Quem aparentemente mais lhe dava ouvidos era Dona Zuleide, que o deixava informado de todo “disse-me-disse” da região. Não que o Coronel Zeca confiava na beata, mas era por ela que ele sabia a quem deveria apontar a próxima cusparada.
 Logo após o almoço, o velho tinha a mania de se esticar na cadeira de balanço na varanda de sua casa, para seu tradicional descanso. De longe já se escutava quando ele se balançava na cadeira que parecia rugir com seu peso. No rodapé da varanda já estava marcado as cusparadas que ele dava. Sempre tinha a companhia do seu galo de briga, que carregava no colo como bicho de estimação. A presença do galo era cativa no seu balançado.
 Era viúvo e um tanto quanto amargo. Tinha dois filhos, já adultos, mas que ainda não tinha tomado rumo na vida. Tal amargura, era sempre descontado em seu filho mais velho, Zequinha, que ainda não se interessou pelos negócios do pai e vivia batendo pernas pela cidade, acumulando conversas mal contatas que era quase sempre fantasiada pelas fofocas trazidas pela Beata Zuleide. Ela, por sua vez, contava as notícias não por maldade, mas por pura diversão.
 Sua filha era Maria Baião, nome herdado da sua falecida mãe que tinha um restaurante na cidade que era famoso pela sua culinária, principalmente pelo seu baião-de-dois, daí o nome. Maria Baião era mimada por seu pai e tudo que queria tinha sempre que ser na hora. Apesar dos caprichos do pai, tinha algo que a moça sempre pedia, mas nunca ele a atendia: o desejo de se casar e sair do caritó. Acontece que o velho poderia ter todo o dinheiro do mundo, mesmo assim não teve a sorte de ter uma filha que puxasse a sua finada mãe, conhecida também por sua beleza. A coitada da moça era desprovida de toda beleza e sua voz aguda e estridente afastava qualquer pretendente. Suas crises eram desesperadoras. Colocava a casa à abaixo. A solução era sempre mandar o caseiro chamar a beata Zuleide para acalmar a moça, aconselha-la e contar longas histórias que duravam a noite em toda seu quarto até ela se acalmar. Apesar do sufoco, as maiores dores de cabeça do velho eram sempre a reputação do filho, que vez por outra era ameaçada por cada fofoca que a beata trazia. O Coronel era agressivo, mas tratava os filhos com mais cautela, pois não era tão próximo dos filhos quanto sua falecida esposa. Certa noite, essa cautela chegou ao fim, após uma longa conversa com Beata Zuleide.
 
CAPÍTULO 2 – PEGANDO A MINHA BANANA


Já nas contrações do parto, o coronel ordenou que a única parteira da cidade ficasse de plantão na beira da cama de sua digníssima esposa. O velho estava animado. Não era para menos, já que seria seu primeiro filho. A mãe tinha desejo de que fosse uma menina, mas sempre era contrariada pelos gritos do coronel.
_Vai ser macho! E tenho dito! – Exclamava o Coronel, toda vez que presenciava a mãe falando com a criança ainda no ventre.
_Há de ser o que Deus quiser – retrucava amorosamente a digníssima esposa. Para não cuspir nos pés da gestante, sempre eram essas as vezes que o velho engolia a saliva e todo seu rancor. Seus resmungos, não duraram muito tempo.
Já se imagina a enorme alegria que Coronel sentiu ao saber do nascimento.
_É menino! – Informava a parteira, que logo em seguida era corrigida pelo velho.
_É macho! Menino é coisa de gente frouxo! Meu filho é macho e tenho dito! – Seguido de uma cusparada nos pés da parteira, que sem pensar duas vezes, entrega a criança à mãe reclamando do velho.
 Assim como toda criança, o pequenino Zequinha era dengoso na presença de sua mãe, que mal o largava, afim de evitar chororô. Era um dengo sem tamanho. Seu pai, fazia de tudo para desmamar o menino, que quase sempre era contrariado pelos caprichos de sua mãe e das criadas.
 A fama de seu pai já era grande naquela época e por este motivo a criança já tinha uma grande dificuldade de fazer novos amigos. Sua meninice foi um grande tormento, pois os filhos dos funcionários descontavam as cusparadas do velho na criança. Assim, a mãe logo tratou de encomendar uma irmãzinha, para fazer companhia ao menino. Tornando sua criação rodeado de caprichos, mimos e atenção.
Já na adolescência, Zequinha passou a conquistar o carinho do povoado, sempre estando presente e se comportando de forma totalmente oposta as manias do seu pai. Assim, pouco a pouco ele se tornou indispensável em rodas de amigos, festas da padroeira e todo tipo de festividade da redondeza. Já rapazote, era sempre alvo de paquera das donzelas de Pitombeira, que arfavam toda vez que o jovem rapaz passava por suas janelas e as cumprimentavam. Era de fato promissor.
 Zequinha, porém, não percebia a brilhante e promissora carreira de galanteador que o cercava e quase sempre vivia por pura diversão e algumas vezes sem maldades. Afinal de contas, ser maldoso era o papel das três fofoqueiras lideradas por Zuleide, que não perdia a oportunidade de especular as idas e vindas do menino ao mercado da cidade.
O velho Coronel Zeca, por sua vez, pouco se importava com a popularidade do rapaz. O que de fato ele almejava, era que o menino tomasse jeito na vida e desse continuidade os serviço de seu pai.
Já crescido, tomou corpo de homem, mas preservando o jeito de menino que não perdia a oportunidade de se envolver em uma confusão. Despreocupado, porém atendo aos desejos do pai, tudo que Zequinha não queria era em plena maturidade tivesse o seu pai o tratando ainda como menino, assim logo pensou em uma ideia para agradar o velho.

Com uma caderneta na mão e mil e uma ideias na cabeça, partiu Zequinha rumo ao mercado, afim de encontrar-se com o jovem vendedor chamado Toinho, um velho amigo da escola que se afeiçoou desde a sua adolescência. No caminho, Zequinha passou por todos os lugares e por todas as pessoas que o viu crescer, presenciando a grande evolução do que antes era menino, hoje transformado em um jovem rapaz. Religioso, Zequinha se benze ao passar pela igreja. Cheiroso, as donzelas sentem a fragrância da juventude, enquanto as damas do cabaré sentem o aroma de homem que exala fazendo ambas, como sempre, arfarem. Um pouco mais a frente e como de costume, atencioso, ele cumprimenta Zuleide, Orleide e Cassandra, que mais uma vez cochicham após a passagem do rapaz, mostrando-se curiosas quanto a ida de Zequinha ao mercado.
_Pra onde ela vai tão cheiroso? – Questiona Cassandra com olhar malicioso.
_Será que já encontrou uma donzela para herdar sua fortuna? – Se espanta Orleide quase que assustada e que logo é contrariada por Zuleide.
_Bonito, rico e cheiroso, não há de se encontrar alguém que o mereça no mercado da cidade?! – Seguido de suspiros de alívio que não dura muito tempo, tornando-se a questionar.
_Mas o que ele faz aqui? – A pergunta não é respondida, e de forma previsível, Zuleide se prontifica a observar Zequinha de longe, prometendo a suas companheiras encontra-se mais tarde no terço das beatas para contar as boas novas do mercado.
Enquanto isto, Zequinha segue seu caminho determinado a encontrar Toinho. Chegando no local, um breve silêncio é posto na recepção de olhares. Toinho, mostrou-se surpreso, pois fazia um bom tempo que Zequinha não o procurava. Afinal de contas, muitas histórias aqueles jovens rapazes acumularam na meninice e na adolescência. Com um leve desleixo na postura, Zequinha recompõe-se e o cumprimenta mostrando-se extremamente feliz com o reencontro. Toinho ainda confuso se mostra mais focado ao trabalho, dando continuidade as suas atividades enquanto divide atenção com Zequinha.
_Pensei que não soube mais onde me encontrar? – Brinca Toinho, afim de quebrar o gelo do reencontro.
- Você sabe que sempre vou encontra-lo. – Conclui Zequinha, tornando o momento mais constrangedor ainda, já que sua fala se refere as suas brincadeiras de pique-esconde em tempos de criança, que quase sempre terminava como não deveria.  Sem jeito, Toinho decide rir, que logo é acompanhado por Zequinha. Os dois relaxam e Zequinha elogia e desempenho do amigo ao entrar tão cedo no mercado de trabalho. Elogia o crescimento do mercadinho e indiretamente os braços fortes de toinho que naquele momento erguia uma grande quantidade de frutas no alto da prateleira. Desconcertado, Toinho deixa despencar a caixa de frutas que tentava erguer e acidentalmente derruba parte da prateleira que já estava arrumada. Depois que tudo veio ao chão, Toinho olha surpreso como se quisesse entender o que ele acabara de escutar. Sem jeito, Zequinha se prontifica ajudar tentando sem sucesso justificar seu elogio, alegando os esforços físicos que Toinho faz em seu trabalho. Então Toinho torna a rir e o questiona.
_Então veio elogiar os meus braços? – Supresso com a pergunta de Toinho, Zequinha perde o controle das palavras passa a gaguejar. Por fim, respira fundo e diz.
_Você sabe que não. Vim pedir ajudar. – Toinho debocha e passa ironizar seu pedido de ajuda, alegando que Zequinha não há de ter motivos para isto, já que é rico e conhecido na cidade. Contrariado, Zequinha passa expor motivos que justificam sua necessidade. Obviamente, que Zequinha se trata do desejo de mostrar para o rabugento pai potencial nos negócios e assim conquistar sua confiança. Toinho se mostra compreensivo e torna a brincar.
_Vou lhe ajudar, começando arrumando as frutas que me fez derrubar. Quem sabe assim passa a ter os braços como os meus. – Zequinha rir e passa a ajuda-lo mantendo sempre o olhar saudosista e quase irônico.

Do outro lado da calçada, estava Zuleide completamente inquieta tentando entender à distância o que via, mas não estava entendendo nada. Vários questionamentos viam na sua cabeça e quase nenhum era o correto, típico de uma fofoqueira. Ela precisaria de um bom conteúdo para divertir-se mais tarde nas rodas de conversa entre as beatas da paróquia e em seguida com coronel. Não demoraria muito para que Zuleide tomasse alguma atitude. No mercadinho, os dois amigos estavam quase acabando de pôr tudo no lugar. Ao fim faltavam apenas algumas bananas que caíram para debaixo do balcão. Já suado, Zequinha ajoelhou-se para pega-lo enquanto Toinho, perto, tentava colocar as bananas que tinham na mão na prateleira. Quando de supetão chega Zuleide ao gritos.
_ O que está fazendo Zequinha?! – No susto, os dois paralisam formando uma cena e tanto quanto sugestiva. Notando que poderia causar um má impressão, Toinho respondeu.
_Foi pegar minha banana. – Zuleide estufa os olhos tentando entender, engasgada com gaguejos e tremores. Para explicar o que não aconteceu, Zequinha levanta-se suado do esforço que tinha feito, proporcionando o efeito reverso da possível explicação. Zuleide se vira e sai em estado de choque. Enquanto os dois amigos tentam acompanha-la sem sucesso. Um pouco mais a frente e mostrando mais calma, Zuleide se questiona do que acha que viu. Então se lembra que agora ela tem um bom assunto para as rodas de conversas, deixando escapar em meio ao susto um singelo sorriso malicioso.
 Apreensivo, Zequinha tentou manter o controle do seu nervosismo que sempre era frustrado pelas hipóteses absurdas que Toinho citava ao imaginar o Coronel Zeca conversando com Zuleide. Sabendo que o fato seria inevitável, Zequinha decidiu voltar para sua casa antes mesmo que Zuleide, afim de planejar com calma sua explicação. O nervosismo não permitiu que Zequinha se despedisse de Toinho adequadamente dando-lhe um breve cumprimento e um imperceptível “Até logo”.
  
CAPÍTULO 3 – MEMÓRIAS


Zequinha era peculiar. Muitas vezes seu comportamento era tido como muita estranheza pelos mais próximos, por mais que já crescido tenha se tornado extremamente simpático e acolhedor. Era sempre difícil se acostumar nas vezes em que ele se desligava do mundo para reviver passados ou construir distrações propositalmente afim de evitar uma conversa chata ou ocasião inesperada. Em sua cama, Zequinha se desdobrava em ideias para justificar uma possível acusação. Em meio os pensamentos, Zequinha pausava sua apreensiva reflexão com um sorriso saliente. Era uma forma de dizer que lá no fundo, seria uma boa verdade para se justificar. O fazendo entrar em outra realidade, por mais que seja breve. Assim Zequinha se aprofunda em distrações e lembranças, o fazendo ser quem ele é, desejando o que ele queria e revivendo momentos que dificilmente ele o desejasse esquecer. Rolando em suas reflexões, envolvido em sua cama o jovem voltava a ser criança onde momentos simples se tornaram eternos, até que um grito o fez voltar àquela realidade que na verdade ainda era uma ilusão.

_Zequinha! Desça aqui seu cabra, quero ter uma conversa com você! – Gritava à forte pulmões Coronel Zeca acordando Zequinha de sua realidade. Assustado, olha rápido pela janela de seu quarto e vê Zuleide ao longe indo embora de sua casa. Neste momento Zequinha já imaginaria o assunto da conversa.

A cadeira balançava mais do que o de costume. O Galo já não se quietava, ensaiando batidas de asas no colo do Coronel que impulsionava as cusparadas no rodapé da parede. Os gritos se tornaram mais fortes e a nítida chateação do velho preocupava os empregados que tentavam acalmá-lo com um pedado de rapadura e um copo d’água. O galo pula de seu colo e como vingança coronel se levanta e cospe na crista do animal. Inquieto, dá algumas voltas na varada e torna a gritar!
_Zeca! Venha cá seu moleque!
_Eu já estou indo paizinho! – Responde Zequinha de longe, de modo a apaziguar a situação.
_Que magó de gritaria é esta? – Questiona o jovem, como se não soubesse o motivo da conversa.

Naquele instante, ainda paralisado e no último degrau da escada que dava acesso ao seu quarto. Zequinha respirava fundo ainda sem saber ao certo o que falaria. Abusando do improviso e apostando todas as fichas na sua intuição. Respirando fundo, Zequinha ensaia primeiro passo na sala que dá acesso à varanda, paralisando no passo seguinte. Com os olhos fechados e a respiração forte, volta a sua infância, quando teve que dar boas justificativas a sua mãe, que naquela memória questionava o que menino sobre o que fizera com Toinho no Chiqueiro do quintal.

Na ocasião, Zequinha apenas tentava descobrir, como qualquer pré-adolescente, as novidades de seu corpo. Comparando tais modificações com as de seu colega, que estava lá afim de limpar o Chiqueiro que abrigaria o leitão que seria abatido no próximo natal. O pequeno Toinho, um ano mais velho, ainda tinha seus questionamentos e também comungou da curiosidade do pequeno Zequinha. Era um momento inocente e de curiosidade, onde a malícia ainda não havia nascido e os prazeres ainda eram retraídos, confundidos com os medos e ignorados com a mais puras sensibilidades de um mundo desconhecido. Tudo era novo, inclusive o toque, que naquele momento acelerava o coração em um misto de adrenalina e desejo. Já não estavam fora, mas dentro do Chiqueiro tornando aquela distração em um momento diferente.  Repentinamente, fora interrompido com a chegada de sua mãe. Delicada e extremamente cuidadosa. Sua mãe percebeu a importância daquele momento, abrindo mão da descriminação e convidando o menino para se dirigir ao banho. Assustado, Toinho volta a sua atividade enquanto Zequinha segue rumo ao banheiro de sua casa. De longe sua mãe grita:
_Quando terminar o seu banho, vá até meu quarto. Quero ter uma conversa com você. – Foi o suficiente para deixa-lo nervoso e apreensivo. Quase o mesmo sentimento que agora inquietava o jovem rapaz, ao estar prestes a ser questionado por seu pai.
 Na aflição de tirar as dúvidas que lhe atormentavam, Coronel interrompe a breve viagem de Zequinha às suas memórias na base do grito.
_Zequinha! Quer que eu vá te pegar a custa de pimba de boi?! – Um instrumento que era usado para amedrontar as crianças da casa.

_Não precisa painho, eu já estou bem crescidinho, e já estou aqui por sinal – exclaou Zequinha, encorpando a voz, afim de mostrar maturidade e esconder a seu nervosismo.

Ao chegar na varanda da casa, Zequinha observa a angustia de seu pai. Mesmo assim estufa o peito e tenta minimiza a situação, argumentando motivos que supervalorizam tal comportamento, tentando mostrar equilíbrio e maturidade ao expor exagero de seu pai no artifício da gritaria. Como era de se esperar, o velho ignora a postura do filho seguido de uma boa cusparada que chega a centímetros de distância dos pés do rapaz. Esquivando-se, Zequinha decide se sentar na varanda e esperar que seu pai o questione.
_Que história é esta que vieram me dizer a seu respeito, sobre um furdunço estranho de um desajustado lá na bodega deste tal Toinho? Quer me matar de vergonha? Pois o que vieram me dizer é coisa que não se fala. Meu filho se comportando como um desajustado? Diga logo que história é esta?!

_Não precisa painho, eu já estou bem crescidinho, e já estou aqui por sinal – exclaou Zequinha, encorpando a voz, afim de mostrar maturidade e esconder a seu nervosismo.

Ao chegar na varanda da casa, Zequinha observa a angustia de seu pai. Mesmo assim estufa o peito e tenta minimiza a situação, argumentando motivos que supervalorizam tal comportamento, tentando mostrar equilíbrio e maturidade ao expor exagero de seu pai no artifício da gritaria. Como era de se esperar, o velho ignora a postura do filho seguido de uma boa cusparada que chega a centímetros de distância dos pés do rapaz. Esquivando-se, Zequinha decide se sentar na varanda e esperar que seu pai o questione.
_Que história é esta que vieram me dizer a seu respeito, sobre um furdunço estranho de um desajustado lá na bodega deste tal Toinho? Quer me matar de vergonha? Pois o que vieram me dizer é coisa que não se fala. Meu filho se comportando como um desajustado? Diga logo que história é esta?!
_Não precisa painho, eu já estou bem crescidinho, e já estou aqui por sinal – exclaou Zequinha, encorpando a voz, afim de mostrar maturidade e esconder a seu nervosismo.

Ao chegar na varanda da casa, Zequinha observa a angustia de seu pai. Mesmo assim estufa o peito e tenta minimiza a situação, argumentando motivos que supervalorizam tal comportamento, tentando mostrar equilíbrio e maturidade ao expor exagero de seu pai no artifício da gritaria. Como era de se esperar, o velho ignora a postura do filho seguido de uma boa cusparada que chega a centímetros de distância dos pés do rapaz. Esquivando-se, Zequinha decide se sentar na varanda e esperar que seu pai o questione.
_Que história é esta que vieram me dizer a seu respeito, sobre um furdunço estranho de um desajustado lá na bodega deste tal Toinho? Quer me matar de vergonha? Pois o que vieram me dizer é coisa que não se fala. Meu filho se comportando como um desajustado? Diga logo que história é esta?!
 Zequinha respira fundo e volta a relembrar a conversa que teve com sua falecida mãe. Percebendo a notória diferença de abordagem e compreensão. Sentindo-se ali, com seu pai, uma profunda falta do jeito. Oposto do comportamento doce e respeitoso de um braço materno, que na época, não só o questionava, mas o ensinava sobre as maravilhas e as mudanças do seu corpo. Esclarecendo os caprichos do prazer da forma mais disciplinar e acolhedora que só uma mãe poderia dar. Aquela varanda, poderia ser diferente, mas ainda era seu pai, que em meios aos gritos, fazia os mesmos questionamentos. Zequinha poderia mentir, mas obedeceu a um dos ensinamentos de sua mãe, que naquela memória lhe dizia;
_não minta para sua família.
_Num minta pra mim não seu cabra! – Gritou Coronel interrompendo mais uma vez Zequinha em sua viagem às suas memórias.

Em mais um respirar profundo, Zequinha decide contar o que de fato veio acontecer, focando o esclarecimento no seu desejo de buscar conhecimento na área do comércio, afim de conquistar a confiança de seu pai. Coronel Zeca, já não olhava para Zequinha. Notava-se pela intensidade com que ele se balançava na cadeira. O velho apontava sua visão para o horizonte, um olhar distante. Um breve silêncio pairou entre os dois, tornando o rugido da cadeira e a distante reclamação do galo de estimação, os únicos barulhos que se ouviam no momento. Seu jeito razinza não poderia se dar por vencido. Coronel se levantou ajustando o cinto da calça acima da cintura e olhou firme nos olhos de Zequinha;
_Me prove sua intensão. Pegue as tralhas la de dentro, acorde cedo e vá para feira do centro. Volte com tudo vendido e com dinheiro na mão. Pra mode não ter mais conversa fiada e falatório a seu respeito. E tenho dito! – Finalizando suas ordens com uma cusparada no chão e saindo rumo aos seus aposentos. Na ausência de seu pai, Zequinha se volta para o terreio da casa. Ensaia uma leve risada no canto da boca, como se os problemas estivessem resolvidos. Lá no fundo, ele sabia que o jeito estranho de seu pai apontava certo orgulho e alivio em saber que seu filho já está se interessando em trabalhar, tornando-se assim um filho que ela tanto queria.

Em mais um respirar profundo, Zequinha decide contar o que de fato veio acontecer, focando o esclarecimento no seu desejo de buscar conhecimento na área do comércio, afim de conquistar a confiança de seu pai. Coronel Zeca, já não olhava para Zequinha. Notava-se pela intensidade com que ele se balançava na cadeira. O velho apontava sua visão para o horizonte, um olhar distante. Um breve silêncio pairou entre os dois, tornando o rugido da cadeira e a distante reclamação do galo de estimação, os únicos barulhos que se ouviam no momento. Seu jeito razinza não poderia se dar por vencido. Coronel se levantou ajustando o cinto da calça acima da cintura e olhou firme nos olhos de Zequinha;
_Me prove sua intensão. Pegue as tralhas la de dentro, acorde cedo e vá para feira do centro. Volte com tudo vendido e com dinheiro na mão. Pra mode não ter mais conversa fiada e falatório a seu respeito. E tenho dito! – Finalizando suas ordens com uma cusparada no chão e saindo rumo aos seus aposentos. Na ausência de seu pai, Zequinha se volta para o terreio da casa. Ensaia uma leve risada no canto da boca, como se os problemas estivessem resolvidos. Lá no fundo, ele sabia que o jeito estranho de seu pai apontava certo orgulho e alivio em saber que seu filho já está se interessando em trabalhar, tornando-se assim um filho que ela tanto queria.
 
 
CAPÍTULO 4 – CATUABA DE OUSADIA


Parecia que o galo não havia superado a terrível chateação que teve ao receber uma cusparada na crista. Suas reclamações eram ouvidas por toda madrugada através do seu cocoricó, intensificando-se no rotineiro despertar da manhã. Enquanto todos não estivesse acordado o galo não quietava o cacarejo. Zequinha despertou naquela manhã mais determinado do que dos outros dias, pois além de ter uma nova oportunidade de surpreender seu pai, também teria uma boa chance de estar ao lado do Toinho. Acontece, que ao chegar na despensa, Zequinha se deparou com um verdadeiro desafio. Seu pai não deixou nada de muito valor que despertasse a desejo da futura clientela. Ele escacaviou toda a despensa atrás dos estoques de milho, bugigangas ou quais quer material que lhe servisse. Parecia proposital, haja vista que o pai, no dia anterior, lhe sugeriu juntar o que encontrasse na dispensa e seguisse rumo à feira do centro. Nem precisou procurar muito, era nítido que na despensa de sua casa ou até mesmo no porão, pouco era de se aproveitar.
 
Desapontado e já ensaiando a desistência, Zequinha encontra jogado na prateleira da despensa um velho livro empoeirado que logo o chama a atenção.  Atenciosamente, ele se aproxima do livro e rapidamente descobre se tratar do livro de receitas de sua falecida mãe. Sem conter a emoção, Zequinha se depara com uma linda frase escrita à mão já na primeira página do livro
“Cozinhar é vivenciar uma verdadeira mistura de ingredientes que só o verdadeiro amor pode saborear” – Zequinha aperta os olhos, como se quisesse entender. Mesmo em vão, ele respira e abraça o livro suspirando saudade, advinda de um espirro. Volta-se para a porta e antes que dê o primeiro passo, se atenta a uma ideia que seria óbvio se ela não fosse tão distraído.
_É isso! – Exclama Zequinha, como se tivesse acabado de inventar a roda. Afoito, o jovem rapaz acende o fogareiro e atento ao livro prepara o seu primeiro café da vida.
_Um bom café, acompanhado de um bom bolo! – Ressalta Zequinha ao provar o primeiro gole do seu café.
Obviamente que não há de se precisar de uma receita tão misteriosa para preparar um bom café, mas se tratando de Zequinha, menino mimado a vida toda o qual teve tudo pronto em suas mãos, há de se imaginar que em nenhum momento de sua vida fora necessário acordar cedo e preparar o seu próprio café. Assim o livro de receitas de sua mãe lhe serviu como uma luva.
A cozinheira da casa logo estranhou um cheio delicioso de bolo vindo da cozinha que ela comanda. Ao chegar viu seu local de trabalho completamente bagunçado e Zequinha todo sujo de farinha de trigo, mas com um semblante, que de cara, notava-se sua euforia. Fora preciso pouco tempo para que algumas delícias fossem preparadas e antes que seu pai levantasse da cama, estava preparado um delicioso café da manhã pra ninguém colocar defeito.
_Seu pai vai amar tudo que você preparou – Diz Dona Verônica, achando que seu trabalho naquela manhã fora poupado.
_isto, se ele pagar pelo que comer – Retruca Zequinha, seguido de um sorriso ao mesmo tempo que guarda tudo que preparou.
 
Sem pensar duas vezes, Zequinha coloca na carroça tudo que preparou, além de tudo que fosse necessário para montar sua tenda de guloseimas na feita da cidade. Enquanto partia rumo ao seu destino, O Coronel espiava pela persiana da janela de seu quarto mostrando certa esperança pelo seu filho.
 O sol ainda era tímido e o frio da manhã arrepiava seu braço que logo era confortado com os cantos dos pássaros de uma linda manhã nordestina. A Cidade aos poucos despertava, como um bocejo urbano nas primeiras atividades de uma dona de casa,  no bater de tapetes dos moradores, do levantar das portas dos comércios e dos jornaleiros que distribuíam as noticias naquela manhã. A rotina diária da cidade seguia seu curso no despertar da manhã, com exceção das damas da noite, que diferentemente de todos, ainda estava encerrando o seu expediente noturno.  Pela Janela, Janaína observa curiosa a chegada do jovem com sua carroça. De longe percebe que que sua carroça estava preenchida de tudo que ela mais desejava naquela manhã. Após longas horas de trabalho, nada mais justo do que um bom e reforçado café da manhã.
 __O carroceiro tão cheiroso quanto a carga que ele carrega? – Se insinua Janaína.
__ Não o suficiente, mas já garanto que a carroça vale mais a pena – Completa Zequinha, que imediatamente se esquiva da insinuação e foca a atenção no produto carregado. Janaína compra a ideia baseado no barulho ensurdecedor que sua barriga acusava. Zequinha estaciona a carroça em frente a casa das damas e sem pensar duas vezes, Janaína se aproxima atraída pelo aroma do café. Não demora muito até que as outras damas vão aparecendo na janela e rapidamente o questionam.


__Pra onde é que moço vai tão bem aprumado, carregando tanta coisa gostosa? – Questiona Rosineide, ao mesmo tempo que vai descobrindo os bolos até cobertos por panos de pratos.


__Iria para feira do centro vender tudo que tem aí, mas pelo visto as senhoritas estão despertando interesse, ou to errado? Completa Zequinha após ser rodeado pelas damas da cidade.


 Ao explicar seu intensão, logo foi questionado os motivos, afinal de contas, toda cidade sabe que seu pai é detentor de grandes posses e muito dinheiro, o que não faria muito sentindo, já que seria Zequinha o herdeiro de tudo. Simpático somo sempre, Zequinha explica seus reais intensões enquanto atende clientela.  As meninas que sem pudor nenhum retira de suas vestimentas íntimas o pagamento daquele delicioso café amanhã, envolve o jovem rapaz de perguntas insunuosas deixando claro os desejos que por muito tempo tem alimentando as fantasias das meninas daquele lugar. Esquivando-se de tudo, Zequinha sente total desconforto ao ponto de derrubar moedas no chão e vários utensílios de trabalho. Para apressar sua saída, deixa a porta da carroça aberta derrubando tudo no chão no primeiro movimento de retirada. As meninas percebem o que elas causaram e tanta ajudar o jovem. Compadecidas com o prejuízo, Janaína tenta ajudar de alguma forma recuperando o que estava no chão.
Zequinha, logo se mostra desanimado com o ocorrido e evitando culpar as meninas, cabisbaixo coloca as vasilhas no lugar e ensaia sua retirada.  Janaína o interrompe e sugere mil e uma alternativas para compensar o prejuízo, inclusive o seu próprio ganha-pão”. Nitidamente desconsolado, Zequinha recusa, mas antes mesmo de sua saída, Janaína o convida a entrar na casa das Damas afim de compartilhar a ideia que repentinamente veio na sua cabeça. Imaginando que seria mais uma estratégia para deitar-se com ele, Zequinha mais uma vez se recusa até ser interrompido por Janaína.


__Há de ganhar muito dinheiro. – Insinua Janaína que logo o convence de ficar.
 Aquele era um ambiente novo para o jovem e inexperiente rapaz. Na cabeça assustada de Zequinha, estar ali poderia ajudar a melhorar sua reputação no próprio ato de entrar naquela casa. Já que os boatos a seu respeito revelariam muito do que ele se esforçava para esconder.  O que não o deixava menos nervoso. As vestes das damas poderiam até ser insinuosas, mas nada condizia como a forma com que elas o tratavam. Afinal de contas, o episódio as deixou constrangidas e extremamente culpadas pelo prejuízo causado, principalmente sabendo as intensões de Zequinha. Até que Janaína sai de seu quarto com um baú. Coloca na frente de Zequinha e com olhar misterioso revela sua ideia.


__Já que seu objetivo é levantar dinheiro, eu tive uma ideia para dar continuidade ao seu empreendimento. Não é algo comum, mas pela nossa experiência, muita gente na cidade vai gostar. – Completa Janaína, advinda de um singelo sorriso enquanto abre a tampa do baú.
 Enquanto o baú se abria, os olhos do Zequinha se arregalavam em total sincronia de seu sorriso. Como se despertasse um repentino animo à custa de um brilho radiante no olhar que de cara declarava a todos ali presente que a ideia de Janaína seria uma forma brilhante de redimir o prejuízo e completar uma lacuna de desejo por tanto tempo reprimido. Um baú repleto dos mais exóticos produtos que servem à todas elas para facilitar o serviço ali prestado. Era Catuaba, Nó-de-cola, Marapuama, Damiana, Bananeira. Uma infinidade de utensílios que servia para uma extensa e variada necessidade. Todo cabra da região desejava para que seu desempenho não falhasse na hora certa, mas ninguém tinha a ousadia de vender. Então surgiu daquele jovem rapaz o despertar de um empreendedor que via diante dos seus olhos a oportunidade de fazer diferente e lucrar muito com isto. Sem pensar duas vezes Zequinha aceitou os produtos como uma forma de cobrir o prejuízo causado. E antes mesmo que a rotina iniciasse na pequena cidade, Zequinha voltava revigorado para sua carroça, desta vez abastecida na maior ousadia que aquela cidade poderia ter.
 
 
 
 continua...

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