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terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

CAPÍTULO 6 - A Escola



Zequinha era um menino franzino e desprovido de qualquer virilidade masculina que sua meninice poderia lhe proporcionar. Era alvo certo para qualquer zoação, mesmo sendo ele filho de homem poderoso. Na verdade, era isso que o prejudicava ainda mais, pois despertava nos seus demais colegas o desejo de torna-lo alvo de toda brincadeira e zoação. No recreio da escola, sempre era ele que degustava das guloseimas que sua mãe preparava com tato carinho, o que quase sempre era interrompida pelas ameaças dos seus colegas. Roubavam-lhe o lanche e o humilhavam de todos as formas possíveis. E mesmo assim, não se abatia. A rotina de crueldade poderia deixa-lo forte, mas até ele mesmo acabava por achar tudo normal. Não porque gostava, mas porque se acostumou com a dolorosa rotina.

Ninguém mais questionava, ninguém mais interrompia, ninguém se importava. Ate que certa vez, um menino novato na escola, vindo da cidade vizinha, esbarrou em uma de suas tentativas de fuga. Ao cair, Zequinha encolheu-se afim de proteger seu rosto de uma possível nova agressão. Retraído em seu abraço solitário e protetor, Zequinha aguardava o que para ele seria certo. A demora despertou a curiosidade. E cuidadosamente olhou pelas brechas de seu braço. Era Tião, que diferentemente do esperado, não lhe apontava um soco, mas estendia a mão à Zequinha, afim de levanta-lo do chão. Desconfiado, Zequinha o ignora, quando é questionado pela brutalidade de Tião.
_Deixa de ser frouxo e se levanta amarelo! Vai deixar bando de fuleragem frescar com tua cara até quando? Levanta! Parece uma graúna chorando - Grita Tião.

Assustando e trêmulo, Zequinha estende a mão até alcançar a mão de Tião. Era uma mão áspera de tanto trabalhar na roça, mas que naquele momento confortava Zequinha da forma mais acolhedora por ele jamais vivida. Foi o tempo em que os demais meninos chegaram para presenciar a inédita cena de proteção. De pé, Zequinha se esconde atrás de Tião e chora. Com o olhar firme, Tião encara cada menino que perseguia Zequinha. Nada foi dito, mas tudo mudou. Os próximos dias era marcados por desconfiança entre os demais. Zequinha tentava se aproximar como podia afim de ter ao lado de Tião a proteção e a paz que ele jamais teve. Por mais que Tião permanecesse silencioso, a estranha relação friamente permanecia. Quase nada era dito, quase nunca eles conversavam. Apenas faziam companhia um para o outro, mas tudo era diferente.

Tião foi criado na roça e nunca teve a oportunidade de ser criança e ser quem ele era. A brutalidade de seu pai, a frieza de sua mãe e ausência de seus irmãos criou naquele menino uma lacuna sentimental. A distração infantil de sua rotina na roça era acentuada pelos cantos dos pássaros. Era com os porcos dos chiqueiros de seus patrões que vez por outra, após uma longa limpeza, que o menino Tião deitava até cair no sono. Não se importava com o cheio, apenas da companhia suína. Conversava com os animais e os tinham como amigos o fazendo achar que não precisava mais de ninguém para conversar. Sempre silencioso, era bom em tudo que lhe propusesse a fazer. Era menino de recado, fazia bicos para ajudar a família e nunca conhecer outra coisa que não fosse seu trabalho.
Certa vez, viu o padeiro receber um punhado de dinheiro por umas vendas feitas, daí despertou o desejo de ser vendedor. Crescer na vida. Sem pensar duas vezes pediu ao padeiro a oportunidade de ajuda-lo na venda. Acontece que ela não sabia ler, nem muito menos contar, sua experiência era na roça e no mato. E por diversas vezes deu prejuízo na Padaria do cumpade Luciano, que pacientemente tentava ajudar o menino. Foi quando pediu sua mãe que o matriculasse na escola o levando a conhecer Zequinha.

Mesmo com a companhia um do outro, era raro existir alguma faulha de diálogo. Os dias foram se passando e Zequinha de todas as formas tentava se aproximar de Tião. Tentando conhecer e saber um pouco de sua vida. Zequinha sempre tagarela, usava de sua persuasão e seu bom humor para arrancar algum riso. Quase sempre era em vão. Não era por maldade, era o jeito e a inexperiência de se relacionar. Tião nunca se importou com a companhia de Zequinha, mas não sabia como preserva-lo do lado. Sua brutalidade era levemente impressa nas frases, quase sempre monossilábicas. Até que Zequinha desistiu.

Um precisava do outro, mas só Tião sabia disso. Acontece que por nunca ter tido a oportunidade de estudar, Tião tinha muita dificuldade em aprender e resolver atividades simples na sala de aula. Suas notas era sempre baixas e tinha dificuldade de aprender tudo que a professora passava. Afastado um do ouro, a relação se restringia a olhares rápido, distantes e desconcertantes. Quando os olhares se cruzavam, Tião tentava disfarçar, mas Zequinha não. A distância incomodava os dois. Naquela ocasião, Zequinha já não era tão perseguido pelos seus colegas de sala e Tião sabia disso.
_Me ajuda – Diz Tião, quase que sussurrando em direção a Zequinha. Que mesmo sem entender direito, da um sorriso e sim.

Para não atrapalhar o seu trabalho, os dois meninos resolveram estudar dentro do chiqueiro do pai de Zequinha. Dia após dia, os dois construíram uma relação de companheirismo. Descobrindo através da necessidade a pureza de uma amizade inesperada e pura. Sem exigir um do outro o que não se podia ofertar. Preenchendo em si, as lacunas que sem perceber era sanadas na simplicidade de um olhar. O sorriso pouco a pouco se tornou mais constante, os olhares menos desconfiados e os diálogos mais extensos. Aos poucos um confiava no outro.

Tião então mostrou seu universo a Zequinha e Zequinha mostrou sua realidade a Tião. O oposto se completava nas suas respectivas lacunas. A pureza regia cada dúvida e orquestrava um sentimento inédito de menino. Zequinha descobriu o canto dos pássaros e nome secreto de cada animal que Tião cuidava. Já Tião, descobriu o lado divertido de ser criança no banho do açude ou quando andava escondido nos cavalos do Pai de Zequinha. Eles eram diferentes um do outro e assim descobriram juntos o quanto são iguais.

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